Tuesday, January 16, 2007

Como assustar uma criança




Acredito que este tema já tenha sido bastante abordado por psicólogos ou interessados em psicologia infantil. Mas eu, que nem psicóloga, nem educadora e nem mãe sou, me assustei quando cantei uma tradicional cantiga infantil. Afinal, criança eu já fui e sabia cantá-las, mesmo que sem alguma consciência de seu significado. Porém, analisar o conteúdo e significado me fez chegar à conclusão que seus criadores tinham profundo ódio por criancinhas.

Bom... vamos aos fatos! A começar pela famigerada “Nana neném”. O título começou bem, certamente escolheria esta música para meu filho se entregar ao silencioso mundo onírico. Ocorre que meu lindo filho está sendo avisado, para não dizer ameaçado, que a Sra. Cuca irá pegá-lo. Nem eu, em minha avançada idade, relaxaria ao saber que uma tal de Cuca está para chegar. Pior ainda, o papai, símbolo da força e proteção, está na roça e mamãe, em algum lugar incerto e desconhecido, volta já.

Para analisar o real perigo, precisamos descobrir quem é a Cuca. Segundo a Galeria de Mitos Brasileiros: “A Cuca é um papão, um ente fantástico que mete medo às crianças causando pavor. Sua aparência varia de lugar para lugar, mas a maioria das pessoas diz que ela tem a forma de uma velha, bem velha e enrugada, corcunda, cabeleira branca, toda desgrenhada, com aspecto assustador. Ela só aparece à noite, sempre procurando por aquelas crianças que fazem pirraça e não querem ir dormir cedo. Então, a cuca as coloca num saco, levando-as embora para não se sabe onde e faz com elas não se sabe bem o que, mas, com toda certeza, trata-se de algo muito terrível.” (grifos nossos). Acho que não preciso mais discorrer sobre o perigo. Ele é altíssimo e a criança não tem a menor escolha se não dormir! Se conseguir, é claro.

Eu pergunto, então, que tipo de psicologia é esta adotada por tanto tempo? A melodia suave, a voz doce do cantor encoberta uma verdadeira agressão à criança, tornando o salutar ato de relaxamento e sono uma moeda de barganha frente a uma terrível ameaça.

Antes fosse apenas esta música. Assumiríamos que foi um erro cultural, que pais desavisados divulgaram tal canção sem se atentar ao seu conteúdo e pronto. Porém, não me parece normal dizer que atirei um pau num gato, mas o gato não morreu (o “mas” deixa clara a intenção de homicídio doloso). Claro que, para tentar matar um gato a paulada, esta tem que ser forte ao ponto de fazer com que o gato dê um berro bem alto! E a inerte Dona Chica apenas admira-se do violento ato, mas nada faz para repreendê-lo. Esta última personagem poderia ser o vetor moral desta barbárie. Ela poderia intervir e explicar que agressão de animais é algo sério. Mas não, ela admira-se e fim da história.

Será que nenhuma música poderia trazer um ambiente salutar e alegre? Onde não existe o perigo, o medo? Será que a criança tem que, logo cedo, se deparar com realidades tão pesadas como viver numa casinha infestada de cupin, pin, pin (ainda com uma sarcástica lagartixa), ou com canoas que viram por pura incompetência da tripulação, ou com brigas violentas de casais debaixo de sacadas, na qual Cravo e Rosa saem de alguma forma feridos? Ou pelo menos não estimular a intransigência frente à higiene pessoal, não lavando o pé simplesmente porque não querer?

Não pense que esta estranha conduta existe apenas na cultura brasileira. A mais famosa canção de ninar americana diz o seguinte: “Rock a bye baby on the tree top, / When the wind blows the cradle will rock, / When the bough breaks the cradle will fall, / And down will come baby, cradle and all.” O que, basicamente, informa que o berço vai cair e quebrar quando o vento soprar. Outra, chamada “Hush little baby”, diz que a mamãe presenteará a criança com alguma coisa, como um pássaro, um cavalo, se a criança prometer se calar e dormir. Lá a barganha é mais capitalista que assustadora. Mas, ambas as músicas estão longe de demonstrar algum carinho ou conforto, apenas buscam objetivamente que o neném pare de chorar e durma. Porém, o neném, que, na qualidade de neném que é, não tem mesmo outra forma de se comunicar que não pelo choro e, se não dorme, deve haver uma razão que, com certeza, não se resolve com uma chantagem ou barganha.

Claro que existem muitas outras e com muita qualidade, a começar pelo "Os Saltimbancos", que estimulam a criatividade, ainda tão presente nas crianças. Minha questão, ou revolta pessoal, é apenas entender o propósito dos autores destas letras. E, ainda por cima, como foram propagadas até nossa (minha) geração. Acredito e espero que tudo isto esteja mudando. Seja pelo desuso, seja pela adaptação. Minha sobrinha, de quase 3 anos, canta “pediu pão” e não “roubou pão” na casa do João, como eu costumava cantar.

6 comments:

Giacomo said...

eu acho que tudo isso faz parte de uma corrente conspiratoria pra desumanizar o individuo, automatizar tarefas e definir padroes de conduta...
seu blog eh muito legal

Luciana Ramondetti said...

Provável!
E acho que ela conseguiu bons resultados...

plg said...
This comment has been removed by the author.
Unknown said...

Jamais saberás o que eu disse!

Luciana Ramondetti said...

Pois é... mas ficará ai, o enigmático "comentário excluído" em sua homenagem!

Anonymous said...

Interesting to know.